domingo, outubro 16, 2005

Ahop! Velhice

Não sei exatamente o dia em que fiquei velho. Devo ter acordado de porre certa manhã e estava velho. Não me dei conta na hora. Aos poucos,o corpo, o espírito, o espelho, e, principalmente as mulheres bonitas e jovens se encarregaram de me informar. Ainda não me acostumei com a condição de velho. Alguém já disse que os velhos devem se apaixonar, pois possuídos pelo amor, deixariam de pensar em outras bobagens. Não acredito. Nada como um rabo-de-saia para fazer você se preocupar ainda mais com a velhice, com a barriga e os oito dentes que faltam na boca; com o dinheiro que os ricos públicos e privados roubaram do seu bolso. Pior que ser simplesmente velho é ser velho, jornalista e pobre. Essa mania de ser honesto – não é virtude minha, coisa que meu pai enfiou na minha alma a golpes de cinto – também atrapalha.

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Outro troço que dificulta a vida do jornalista velho, pobre e honesto é ter o que escrever. O verbo é ter mesmo. Se não escrevo não pago aluguel; se não pago aluguel, sou despejado como se despeja na pia café impossível de ser requentado. Se isso acontecesse , tudo pioraria: além de jornalista, velho, alcoólatra, jogador, comunista e decadente, despejado e neomiserável. Se a coisa fosse só ter de escrever e ter o que escrever não seria tão grave. O pior é que você tem de escrever bem, cada vez melhor. Hoje melhor do que ontem e pior do que amanhã. “Será que já disse essa gracinha?” “ Será que vão gostar dessa história?” Quando você dorme, o inventor dos sonhos dita tudo pra você. Texto genial. Bem pontuado, primor de ritmo. Na manhã seguinte, esqueceu tudo e se lembrasse provavelmente chegaria à conclusão de que texto de sonho foi feito para ser sonhado e não para ficar preso num papel.

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O que é que eu estava dizendo mesmo? Este é um outro complicador: falta de memória. Você tem de escrever, tem de escrever bem e tem de escrever bem num determinado espaço. Nem mais nem menos. Ás vezes, tem muito para dizer e pouco espaço. Outras, como hoje, nada para dizer e espaço demais. Vida boa têm os ladrões, safados, sem-vergonha, pusilânimes e naturalmente muito ricos. Entram e saem da vida pública transformada em privada e o pobre do jornalista velho tem de lembrar os nomes desses leprosos morais orgulhosos das próprias pústulas. E os nomes são tão parecidos que você acaba se confundindo: Mello, Cardoso, Neto, Campos, Rezende, Nicolaus, Eduardos, Jorges, Magalhães, Ciros, Serras aos quais virão fazer companhia em breve Lula e todos os intelectuais burgueses do PT. Os nomes mais difíceis de guardar são os dos economistas que saem da vice-presidência de uma transnacional qualquer, assumem um ministério, roubam alguns milhões de dólares e pulam fora. Voltam alguns anos depois, pois seu apetite é maior do que o do tubarão branco, a máquina de comer mais voraz do mundo que, porém, é mais humano que os economistas, pois não têm consciência do mal que faz. Esses infernizam a vida do velho jornalista: “Esse foi o que vendeu a Vale do Rio Doce ou foi aquele que roubou o Banco Central?” Não digo que a profissão, de vez em quando, não me dê algumas satisfações. É divertido ver Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho, Serra e Ciro falando mal das respectivas genitoras. Em seguida, porém, vem a certeza de que é tudo de mentirinha; a certeza de que quando a direita briga, quem acaba apanhando é o que restou da esquerda.

Fausto Wolff – Publicado em O Pasquim 21 Número 117, 26/6/2004